Maria José de Oliveira Santos
PALAVRAS INICIAIS: MARIA FEIJÓ E A ESCRITA DAS MULHERES
No século XX a imprensa alterou a distância entre a mulher e o direito à publicação,
possibilitando sua tímida entrada ao cena literária brasileira. Nesse ponto de resistência, pode ser
visibilizado o da professora primária, bibliotecária e escritora Maria Feijó de Souza Neves que,
para publicar seus poemas utilizou-se, muitas vezes, de pseudônimos. De família influente, mudou-
se ao Rio de Janeiro em busca de realizações profissionais e literárias. A ficção produzida por
mulheres como forma de categorização literária trouxe à tona o início de uma desestruturação
patriarcal, contribuindo para compreensão de duas formas de rebaixamento da mulher, o social e o
literário. (JOBIM, 1992). Por meio dos romances as mulheres no espaço doméstico liam, às
escondidas e, desse modo, ia sendo construídos seus comportamentosm conforme Ívia Alves.
(2002).
REALIZAÇÕES E INQUIETAÇÕES EM ALAGOINHAS
Maria Feijó nasceu em 1918 (Alagoinhas) e faleceu em 2001 (Rio de Janeiro). Sua posição
social não impediu que passasse pelos conflitos das mulheres: morando parte da juventude em um
sítio afastado do centro, sua adolescência foi marcada pelo controle da mãe orientada pelo pai. No
campo da educação, influenciou as jovens que saíam apenas à igreja e quermesses em campainha
das famílias e suas iniciativas provocaram insatisfação em outras mulheres, tornando-se a primeira
a comandar um programa de rádio (1950), além de ser editora de um jornal masculino na década de
30 (Alarma). Escreveu em periódicos na Bahia e no Brasil e o resultado de seu trabalho rendeu-lhe
menções e títulos espalhados na Bahia, no Brasil e em Alagoinhas. Publicou mais de vinte livros
destacando-se: Bahia de todos os meus sonhos, O pensionato, Paraíso das moças, Alecrim do
tabuleiro, Pelos caminhos da vida de uma professora primária, Perfil da Bahia, Velejando,
Panorama de Alagoinhas, Minha doce Alagoinhas, dentre outros.
SAUDADE E INQUIETAÇÕES: DE ALAGOINHAS AO RIO DE JANEIRO (DISTRITO
FEDERAL)
Há sentimentos na vida/que não se pode explicar/como o
adeus da partida/quando a vontade é ficar. (FEIJÓ, 1969).
- Comunicação apresentada no XIV Seminário Nacional e V Seminário Internacional Mulher e Literatura (2011)
realizado nos dias 4, 5 e 6 de agosto de 2011, na Universidade de Brasília – UnB/DF e publicado em CD pela UnB
(2011).
2 Professora e pesquisadora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB-CAMPUS II). Mestra em Letras, linha de
pesquisa: teoria e crítica da literatura e da cultura, tema: crítica e historiografia literária baiana. Maria Feijó integra A
antologia de escritoras baianas organizada por Dra. Ívia Alves (UFBA/NEIM) cujos dados foram pesquisados pelo
grupo de pesquisa do CAMPUS II História Literária Alagoinhense. Participa dos seguintes grupos de pesquisa na
UNEB: DIADORIM: estudo de gênero e sexualidade; GRAFHO: estudos de memórias e autobiografias; GEREL: grupo
de estudos em resiliência, educação e linguagens, linha 3: produção didático-pedagógica de base resiliente (UNEB).
Mail: marmano2010@hotmail.com. Tel.: (75) 3421-3411 (Alagoinhas); (71) 3329-5220 (Salvador); (75) 9 9982 5929.
Maria Feijó se mudou ao então Distrito Federal, mas sempre retornava para fazer visitas e
lançar seus livros em sua terra natal. O desinteresse das/os patrícias/os pela sua arte a levaram a se
estabelecer em outro estado:
[…] partir. Tudo isto significa haver entrado no trenzinho ‘Pirulito’, o ‘Maria Fumaça’, da
ocasião, até Salvador (‘Bahia’ na época, chamada por todos) onde, após mil solavancos da
vida, tomei um avião da FAB, depois de cinco horas de vôo 3 2 , aterrissando no Rio de
Janeiro […] em virtude de quando apelei para as autoridades educacionais da minha terra,
nada obtive, e já não suportava mais horizontes estreitos de incompreensão me cercando…
(FEIJO, 1988, p. 54).
Sua família não a impediu que fosse classificada como persona non grata e não lhe
assegurou o reconhecimento desejado, daí sua mudança para buscá-lo longe – em 1953 concluiu
Biblioteconomia no Rio de Janeiro, onde fundou o Centro Literário Amigos de Maria Feijó
(CLAM), local de organização de eventos, além de atuar no programa Salão Grenat (Radio Tupy),
colaborando com o radialista falecido Collid Filho.
Ao chegar à cidade grande se inquietou com o comportamento das moças dos pensionatos
onde morou e sugere em seu livro O pensionato: Paraíso das moças (1988, p. 21): “[…] as duas
companheiras quando trocavam de roupa […], permanecendo horas […] nuas […] janelas abertas
aos rapazes lá de cima, de binóculo se regalando […] Elas me perturbaram tanto para estudar ou
dormir, que logo acatei a ideia de estudar no refeitório”. O sentimento religioso contribuiu para a
definição do seu comportamento, legitimando o projeto de felicidade que consiste em ficar ao lado
de Deus na eternidade, resultando em a “Cartilha da Moral”: “Graças a Deus, a grande Pátria
despertou a liturgia de muitos de seus filhos, chamando-os à luz da verdade, do Bem e da Razão.
[…] que estes consigam ler, com amor e orgulho, a cartilha da Moral e rezem a Ave-Maria do
Civismo nos bons exemplos…” (FEIJÓ, 1971, p. 52).
Para Tereza Fagundes (2005) o fato de a mulher ser idealizada como dócil e gentil e possuir
afinidades com crianças converge para profissões tipificadas como femininas, reforçando o
estereótipo: a conciliação dos papeis de educadora ao de esposa e mãe é obrigação estimulada pela
sociedade. Sua visão social lhe sugere colocar na escrita o retrato de uma professora primária em
Pelos caminhos da vida de uma professora primária (1978), onde as personagens figuram um
mundo representativo sem perder a legitimidade do cotidiano de Alagoinhas da década de 70 do
século XX:
[…] ALAGOINHAS, é o retrato, talvez, sem retoque, tirado por mim, na sua terna e doce
fase de MENINA-MOÇA, genuinamente provinciana e bela. O de AGORA, com ares de
metrópole e requintes de mulher civilizada creio, eu não o saiba fazer. Outros filhos seus,
de melhores credenciais, poderão pintá-lo com todos os matizes da ATUALIDADE. Fiz
neste o que pude, melhor não podia, embora para mim tivesse sido o ideal… (epígrafe de
Pelos caminhos da vida de uma professora primária).
Mesmo partindo para longe não esquece a Bahia, Alagoinhas, e sua gente a quem dedica
versos conforme “Canto à Bahia”: […] Terra morena, feita de cantares;/[…]/E Rui, lá fora
conquistando a glória/[…]/Te colocando em pedestal, na história!/Teu povo alegre, vívido,
elegante,/Faz a moldura que te põe no altar/Esplendoroso do Brasil gigante!” e completa o
sentimento em “Pedaços de felicidade”:
2 Em todo o texto conservo o sinal gráfico usado na produção original, bem como os sinais de pontuação e o uso de
letras maiúsculas, bastante utilizadas pela escritora.
ALAGOINHAS, doce terra amada/Que minha adolescência acalentou;/De sonhos belos,
puros, orvalhada,/[…]/Na doce infância assim aureolada,/A minha terra o BELO me
ensinou;/[…] Hoje distante, se meu peito chora,/Eu penso em ti, na dor dessa saudade,/Que
martiriza e que não vai embora…/E no painel que, em versos, eu componho,/Vejo os
pedaços da felicidade/Que construíram meu viver de sonho…
Para Elizete Passos (1999), a sociedade baiana comungava a educação formada em modelo,
incluindo valores morais e religiosos e, nessa perspectiva, Maria Feijó foi educada, não admitindo
fugir às regras recebidas pela família e escola da época:
Broto amigo, mais ainda da parte feminina, ouça-me, por favor e… se puder, siga o meu
conselho: queira ser PROFESSORA PRIMÁRIA, SEJA PROFESSORA PRIMÁRIA,
profissão quão espinhosa, mas também… tão nobre, indicada, ajeitável, ajustável,
amoldável à alma, à vida da mulher, principalmente em uma Cidade de Interior, dando
continuidade àquele clássico ‘esposa-e-mãe’, a ele, perfeitamente acrescentável: Mestra!
(FEIJÓ, 1972, p. 23).
Maria Feijó canta a terra natal ao tempo que denuncia sua ausência de incentivo – a
escritora é quase desconhecida em Alagoinhas: “A menina que vivia em mim/nas manhãs
alegres,/cantando à chuva,/ainda existe/perdida no turbilhão mercenário/de agora… /Em cantigas de
roda/ainda mora/no festival de sonhos,/ envolto de lembranças/ num misto de saudades/e orquídeas
desbotadas,/mas guardando os resquícios/de um tempo que amou!”. Seu lamento de saudade
continua em outro poema:
A menina de Alagoinhas veio./Está aqui, guardada,/Para, no imperativo momento,/do lado
de cá,/e sair correndo por aí,/em busca dos laços de fita/cantando saudades do quintal
festivo,/e vestindo a sala de infância, abrir os braços da brejeirice,/a fim de poder
sorrir,/para o mundo-hoje!…
Em “Olhando o Cristo da Bahia!” o lado cristão é exposto como contemplação em seu
encanto sagrado: “Sua Bahia Bonita,/Sua Bahia de Encantos,/Sua Bahia de Todos os Santos…/…
[…] Lá em cima do morro, o Cristo/Abençoando sua Cidade./Numa atitude contrita/Com um
soberbo perfil/E um olhar infinito,/Abençoando…/Sua Bahia Devota,/Sua Bahia Cristã,/[…].
A luta pela realização foi seu grande sonho e, em meio aos conflitos e saudade ressaltou:
“Alagoinhas não tem uma fonte para que se possa saciar a sede do saber”. (Alagoinhas Jornal, jan.
/97, p. 2); “Alagoinhas não tem memória literária.” (Alagoinhas Jornal, id. Ibid. p. 2).
A intervenção do olhar da mulher na produção literária constitui-se em uma forma de
remexer nos rumos da cultura. E, assim aconteceu com a presença de Maria Feijó com sua maneira
de pensar, agir e representar em versos e prosas a realidade que a cercava. Tudo com inquietação e
saudade.
REFERÊNCIAS
ALVES, Ivia. Imagens da mulher na literatura na modernidade e na contemporaneidade. In:
FERREIRA, Sílvia Lucia; NASCIMENTO, Enilda Rosendo do. (Orgs.). Imagens da mulher na
cultura contemporânea. Salvador: NEIM/UFBA, 2002. (7 Coleção Bahianas).
BRANDÃO, Daniela; SANTOS, Maria José de Oliveira; ALVES, Ivia. Biografia e trajetória
literária. Disponível em www.escritorasbaianas.ufba.br/feijo/biotraj.html. Consulta: 2011.
FAGUNDES. Tereza. Mulher e pedagogia: um vínculo re-significado. Salvador: Helvécia, 2005.
JOBIM, José Lins. (Org). Palavras da critica. Rio de Janeiro: Imago, 1992 (Pierre Menard).
PASSOS, Elisete Silva. Palcos e platéias – as representações de gênero na Faculdade de Filosofia.
Salvador: Edufba, 1999. (4 Coleção Bahianas).
REIS, Roberto. Cânon In: Palavras da crítica: tendências e conceitos no estudo da literatura,
1966.
LAJOLO Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da literatura no Brasil. São Paulo: Ática,
1988.
Professora do curso de Letras da UNEB/CAMPUS II
Revisora de textos da Casa do Poeta de Alagoinhas (CASPAL)
Membro da Academia de Letras e Artes de Alagoinhas (ALADA)