Há muito tempo que não visto uma roupa nova! A última foi no casamento do Prefeito – fez um ano em janeiro! E era uma roupa especial. Tinha de ser uma roupa especial! Mas, a chamada roupa do dia a dia, aquela que a gente faz no capricho, para trabalhar, com a satisfação de que a sua imagem será bem aceita pelos colegas, estará condizente com a função que ocupa, causará boa impressão aos visitantes. Essa, já faz um bom tempo que não preparo . A roupa é a cobertura do corpo, uma exigência da vida social, para permitir a comunicação, entre as pessoas, dentro dos padrões costumeiros de cada sociedade, e dependendo das conveniências, das necessidades, do gosto pessoal.
Confesso que, na fase adulta, nunca fui preocupada com a roupa que iria usar. Ou talvez fosse melhor dizer que sempre fui desligada para essa questão de roupa. Mas, sempre apareceu alguém, para uma alerta em momentos de maior importância. Assim é que, em 1993, para tomar posse, como Diretora da Faculdade, criaram uma comissão de funcionários e professores que escolheram a roupa e o sapato que eu deveria usar, na solenidade e me acompanharam ao Salão de Beleza, para ajeitar o cabelo. Naquela época, eu usava o corte ” moleque macho”, porque seguia Zezé Mota, na sua rebeldia, desde 1978. Já era uma tentativa de voltar ao natural, desprezando os cabelos alisados. Mas entrei no esquema do grupo, porque, agora, valia a representação deles, como me disseram, textualmente: “agora você é a nossa diretora”. E eu voltei a criar os cabelos.
Talvez fosse também, pelo prazer de estar com aquelas pessoas, naquele ambiente. Ser alguém que fala por eles, quando chega a hora. Creio que o espaço da convivência é um forte estímulo a essas movimentações que alteram o estado de espírito e criam a vontade de estar mais bonito/a, por alguma razão: impressionar alguém; demonstrar alegria, pela presença; destacar-se em algum evento; superar uma limitação, etc. Trabalhei em uma escola, fora de Alagoinhas, onde uma colega, Supervisora Educacional, andava naturalmente arrumada, no traje e na maquiagem ( o oposto de Iraci). Mas, havia dias, em que ela caprichava no visual e ficava com dificuldade de beber água, para não deixar o batom no copo. E ela explicava: quando acontecia um problema grave, caprichava mais na pintura. Faço até inovações. Dizia. Então, nós já sabíamos: esmero na maquiagem! Problemas à vista! Como as aparências enganam!
Quando eu era criança, uma roupa nova era para ocasiões especiais: um aniversário, a festa de Natal, uma atividade da escola, etc. E o domingo, era o dia preferencial para a inauguração. A roupa trazia consigo o calçado, feito por encomenda – naquele tempo, tínhamos bons sapateiros na cidade! E, para completar o quadro de beleza, o penteado do cabelo incluía tranças, bem arrumadas, no alto da cabeça, com um laçarote de fita, na cor que combinasse com a roupa, de cetim ou do mesmo tecido do vestido. As laterais do laço, bem abertas, se apoiavam no próprio cabelo trançado que nem era visto. Âs vezes, porém, as duas tranças eram feitas, nas proximidades do pescoço e desciam para a frente do corpo. Elas ganhavam dois laços de fita que pousavam sobre o peito e enfeitaram mais ainda o vestido. Era muito encantamento!
Mas, quando Detinha dizia: pronto, está bonita! Eu já me balançava toda e saia, porta afora, na direção do meu vizinho e, em frente à sua porta, perguntava: Seu Guilherme, estou bonita? Ele me olhava, feliz, e dizia que sim, me pegando por debaixo dos braços e me colocando , em pé, em cima de sua cadeira de barbeiro, provocando: e aí, viu como está bonita? E eu me via, por inteiro, pois o espelho do barbeiro era enorme e me cabia, inteirinha, lá dentro! Na minha casa, havia um espelho pequeno, apoiado num quadrado de madeira que o meu tio usava para fazer a barba. Nele, eu viria bem, apenas o meu rosto. Mas, ali, na cadeira de “Seu “Guilherme, eu me via, da cabeça aos pés e sentia a diferença, de momentos outros, com o visual menos trabalhado. A visão, no espelho, era o corolário de todo esforço doméstico, na produção da beleza infantil. Não bastava a expressão da minha avó e das minhas tias, era preciso e fundamental a palavra e a visão na cadeira de “Seu” Guilherme e o seu apoio, na confirmação da beleza
Hoje, domingo, vou vestir roupa nova para ir à festa de Nossa Senhora da Guia, no Distrito do Riacho da Guia. Certamente, quando estiver saindo, aqui na porta, vou olhar para a esquerda, onde fica a casa desse meu vizinho e vou perguntar, em pensamento: “Seu” Guilherme, estou bonita? E ele, que agora, é só pensamento, há de dizer: sim, muito bonita . E eu vou acreditar, porque as lembranças de gestos infantis ficam também grudados, nas mentes dos adultos e marcam, para sempre, sua alma . Agora, nessa minha fase, para lá de adulta, dá para sentir e provar dessa verdade.
Alagoinhas, madrugada de 20 de fevereiro de 2022. Iraci Gama
Iraci Gama – secretária municipal de Cultura, Esporte e Turismo – SECULT de Alagoinhas- Bahia.