Tucupi, polvilho, maniva, farinha de guerra, carimã e farinha de tapioca. A mandioca, também chamada de aipim ou macaxeira, é conhecida como a rainha do Brasil, e ela é uma regente generosa. Dela, derivam todos esses produtos desenvolvidos pelos povos indígenas. Entre os insumos que mais se popularizaram depois da chegada dos colonizadores está a farinha de tapioca.
Beijus, sagus, bolos, dadinhos, pudins e bolinhos de estudante. Tão versátil quanto o ingrediente que lhe dá origem, a tapioca tornou-se base de muitas iguarias. Conforme o livro Viagem gastronômica através do Brasil, de Caloca Fernandes, a tapioca substituiu a farinha de trigo no período colonial pela escassez deste ingrediente na época.
De acordo com a obra, a tapioca era chamada de “alimento dos deuses” pelos povos originários e, com receitas indígenas e europeias, se consolidou na alimentação do brasileiro. Ainda no Brasil Colônia, as casas de farinha, onde a mandioca é transformada em tapioca, se espalharam por todo o país e, especialmente, pelo Nordeste.
Desde a infância da cozinheira Josenice Silva, ela acompanha a produção da casa de farinha da família, em Mata de São João, no litoral norte da Bahia. “Eu cresci vendo meu avô e minha avó na lida e, depois, minha mãe também”. Atualmente, Josenice trabalha no quiosque Casa de Farinha, na vila de Praia do Forte.
O local remete às casas de farinha tradicionais e vende, além da farinha, tapiocas recheadas feitas no forno à lenha. A iguaria também é conhecida como beiju, no Nordeste. Josenice conta que, há quase 20 anos, a mãe dela foi convidada pela prefeitura do município a participar da montagem do quiosque como cozinheira.
Segundo Josenice, a Casa de Farinha de Praia do Forte conquistou clientes baianos e também de outros estados. A farinha de tapioca usada e vendida na loja é orgânica e vem de cinco comunidades, distribuídas nos distritos de Praia do Forte, Olhos D’Água, Sauipe e Mata de São João, onde fica a casa de farinha da família da cozinheira.
Memória de infância
A chef de cozinha Deia Lopes também conta com a tapioca para se sustentar desde criança. Na infância, comia os bolinhos de tapioca hidratada feita pela mãe. No início da vida adulta, trabalhava fazendo tapiocas recheadas em cafés da manhã de hotéis. E, atualmente, é dona do restaurante Toca da Tapioca, que começou como um quiosque em Serra Grande, no litoral sul da Bahia.
“Quando meu filho nasceu, tinha na cabeça que não ia deixar ele passar fome que nem eu passei, daí tive a ideia de abrir o quiosque”, conta Deia. Com o negócio vendendo bem, a cozinheira pediu demissão e usou o dinheiro da rescisão para montar o Toca da Tapioca. Também fez permutas, trocando comida por mão-de-obra ou material de construção.
O diferencial, conta Deia, sempre foi a tapioca fina e crocante, como a mãe e a irmã dela faziam. No cardápio do restaurante, sabores da infância da chef, como carne seca frita com banana da terra, viraram recheios das tapiocas. O ingrediente também é usado no bolinho de estudante, feito com tapioca granulada.
A memória afetiva foi o que levou o empresário Maneca Maia a abrir a loja Fofo da Tapioca, em Salvador. Com o bolo de tapioca que a mãe dele, Dona Gal, fazia na infância como carro-chefe, o local se especializou na venda de receitas com o ingrediente. Para o empresário, é importante que a tapioca ganhe o mesmo valor de outros produtos, como o chocolate.
A venda começou de forma caseira em 2019. Depois, Maneca e a mãe abriram a loja e se aproximaram da produção orgânica do insumo. “Nossa tapioca vem da casa de farinha de Dona Vânia, em Feira de Santana, que faz em um dia e manda para a gente no outro”, diz ele. Na porta da loja, um pé de mandioca ressalta a importância do ingrediente base da tapioca.
Na moda
Maneca também destaca como a tapioca se tornou querida pelo mercado de alimentos saudáveis nos últimos anos. Enquanto no período colonial, o insumo substituiu o pão por falta de farinha de trigo, nos últimos anos ela é a preferida de pessoas que seguem dietas sem glúten ou com redução no consumo dessa proteína.
No restaurante Puro Saudável, as tapiocas recheadas são vendidas em todas as refeições do dia. “Elas sempre fazem sucesso por serem gostosas e terem um ótimo custo-benefício”, diz o dono do local, Vitor Bufon. No Puro, a farinha da tapioca é misturada com outro ingrediente latino-americano, a semente de chia. E todas as opções de recheio são sem lactose, seguindo outra tendência do mercado de comidas saudáveis.
“Também usamos a tapioca para fazer a crepioca, que é a massa da tapioca com ovo”, conta Vitor. Na versão flocada, o ingrediente ainda é usado para empanar peixes e bolinhos. Assim como Deia e Maneca, o dono do Puro ressalta a versatilidade da tapioca, que pode ser usada em doces e salgados com diferentes preparos.