Vou iniciar tratando de dois assuntos relacionados ao Direito que o(a) leitor(a) já deve ter ouvido falar. O primeiro deles é a fiança. A fiança é uma espécie de contrato através do qual alguém – o fiador – garante, perante o credor, o pagamento de uma obrigação assumida por outra pessoa – o devedor.
Na prática, se o devedor não pagar sua dívida, aquele que tem direito ao recebimento do crédito pode exigir seu pagamento do fiador. Essa exigência, se o fiador não pagar voluntariamente, vai ser na justiça. A justiça, por sua vez, em determinado momento do processo, pode determinar a penhora de bens pertencentes ao fiador para que sejam vendidos judicialmente; com o dinheiro da venda judicial, o credor vai ser pago. Dentre os bens do fiador que podem ser penhorados estão os imóveis.
Essas são as ideias sobre fiança que mais importam para o objetivo do presente texto.
O segundo assunto ligado ao Direito que o(a) leitor(a) já deve ter ouvido falar diz respeito ao “bem de família”. Em regra, a justiça não pode penhorar o imóvel que sirva de residência da pessoa por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de qualquer outra natureza.
Esse imóvel impenhorável é chamado pela lei (Lei 8.009/90) de “bem de família”. A regra da impenhorabilidade do bem de família comporta poucas exceções. Uma delas, porém, consagra justamente a fiança em contrato de locação. É a partir desse ponto que peço ainda mais atenção do(a) leitor(a).
Geralmente, acontece assim: um amigo ou familiar vai ao leitor e diz: “Vou alugar um imóvel, mas o locador está exigindo um fiador. Você pode assinar para mim? Não é nada demais não, é só a burocracia do contrato mesmo.”
Se o inquilino paga regularmente as obrigações decorrentes do contrato de aluguel, realmente não há com o que o fiador se preocupar. O problema é se o inquilino não adimplir sua obrigação. Nesse caso, como tratei acima, mesmo aquele imóvel que sirva de residência do fiador, ainda que seja seu único imóvel, poderá ser penhorado e vendido judicialmente.
O assunto ganhou ainda mais relevância a partir de 08/03/22, data na qual o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando o Recurso Extraordinário (RE) 1307334, entendeu que o bem de família do fiador pode ser penhorado não só nos contratos de locação residenciais, mas também nos contratos comerciais.
Até então, a justiça não tinha um entendimento uniforme sobre a possibilidade de penhora do bem de família do fiador nos contratos de locação comerciais. A partir da decisão tomada no STF, em virtude do atual desenho do Direito Processual Civil brasileiro, todos os juízes do país são obrigados a admitir a penhora do bem de família do fiador, mesmo nos contratos de locação comerciais.
A intenção com o presente texto passa longe de desestimular o(a) leitor(a) a prestar fiança no contrato de locação de um amigo ou familiar. Sim, porque, como tive oportunidade de afirmar anteriormente, se o inquilino pagar tudo corretamente, não há com o que se preocupar.
O melhor conselho, porém, é que o(a) leitor(a) esteja certo(a) da capacidade que o inquilino tem de pagar as obrigações decorrentes do contrato de locação. Afinal, como visto, ser fiador em contrato de locação, seja residencial ou comercial, pode ser tudo, menos mera burocracia.